Quantas vezes não experimentamos uma enorme frustração por ver devolvido o título sem o registro?
Às vezes dependemos do registro para liberação do financiamento, ou para alienar o bem, ou para simplesmente regularizar a situação da propriedade. Eis quando nos vemos diante de uma nota devolutiva, que nos apresenta um rol de problemas que deveriam ser antevistos no exato momento da entrega dos documentos.
Os Cartórios de Registro de Imóveis não são arquivos de documentos carimbados. Não são depósitos de títulos. Não são meros repositórios de papeis. Cada documento que ingressa no sistema é submetido a um exame rigoroso, profundo, detalhado, minucioso, feito por profissionais do Direito, especialistas na matéria.
O registro é como uma longa corrente em que cada elo se encadeia no anterior e serve de base para o próximo. Faltando um elo, a cadeia se rompe e o registro não se faz. No jargão técnico, este princípio leva o nome de princípio da continuidade e vem consagrado na lei (Lei de Registros Públicos art. 195 c.c. art. 237).
O Cartório procede a um rigoroso exame da “vida” pregressa do imóvel antes de fazer qualquer inscrição (registro). Identificam-se os proprietários e todos aqueles que ostentam direitos sobre o imóvel (por exemplo: credores hipotecários, exequentes, etc.). Examina-se a matrícula do imóvel, para, ao final, apurar a situação jurídica do imóvel objeto de transação. Só depois de ultrapassada esta etapa investigativa, defere-se o registro.
Existe sim um checklist sumário para a maioria dos títulos que acedem o Registro de Imóveis.
Este exame se limita a uma sumária verificação de requisitos fundamentais, como a apresentação dos documentos que são exigíveis na entrada dos títulos. Este exame prévio, contudo, não e nem pode ir além de uma análise superficial. Há especificidades no exame dos títulos que não podem ser antecipadas.
Devemos considerar que há um número muito grande de documentos, de vários tipos, com centenas de páginas e dezenas de documentos que o acompanham, que são recepcionados diariamente nos cartórios – o que torna muito difícil a tarefa de elaborar um checklist para cada espécie de documentos. Tudo isto deve ser lido e corretamente interpretado.
Intuitivo que é praticamente impossível, num lance de olhos, ainda na seção da recepção, prognosticar o que deve conter cada título antes de ingressar no Registro e verificar o preenchimento de todas as formalidades essenciais para a consumação do ato de registro.
Pode se dizer que cada caso é um caso! Não é possível tratar situações desiguais de modo igual.
Os cartórios também verificam a possível ocorrência dos chamados “títulos contraditórios” – que são todos aqueles que, ao tramitarem conjuntamente, colocam em risco a transação imobiliária.
A devolução representa, para os Cartórios, um ônus material e financeiro. Não se ganha com as devoluções. Pelo contrário! Cada devolução representa retrabalho e enormes aborrecimentos para o utente e para o examinador. Isto pode ser precificado e representa custos que não podem ser repassados aos interessados.
O Cartório de Registro de Imóveis não forma o título que vai ingressar na matrícula. Portanto, não pode corrigir eventual erro detectado no seu exame. Poderá somente indicá-lo, fundamentando a devolução.
Respondendo à questão lançada – de quem é a responsabilidade pela devolução?
Responde-se com segurança: de quem lavrou ou confeccionou o título!
A confecção de um título (formalização) sempre representa uma atividade profissional. A autoria de um título traz consigo, ainda, a responsabilidade do autor pela perfectividade do título e sua aptidão para produzir os seus regulares efeitos. Inclusive, e principalmente, o registro sem obstáculos ou maiores delongas.
Na esmagadora maioria das vezes, esse mister é legitimamente remunerado – seja pelos emolumentos devidos pela notarização do ato, seja pelas taxas bancárias cobradas pelas instituições bancárias, ou, ainda, seja pelas taxas pagas à administração judiciária.
Se fosse possível a análise preliminar os cartórios formariam imensas filas e – o que é pior! – poderia inocular o germe da insegurança jurídica, já que a pressa é inimiga da perfeita segurança que se espera do Registro.
Sim. É possível. A Lei de Registros Públicos prevê essa hipótese ao facultar o acesso do título para exame preliminar e cálculo de custos (emolumentos). Vejamos a letra da Lei:
Art. 12. Nenhuma exigência fiscal, ou dívida, obstará a apresentação de um título e o seu lançamento do Protocolo com o respectivo número de ordem, nos casos em que da precedência decorra prioridade de direitos para o apresentante.
Parágrafo único. Independem de apontamento no Protocolo os títulos apresentados apenas para exame e cálculo dos respectivos emolumentos.
Como se pode ver, o interessado pode ingressar o título para exame e cálculo, sem que o registro seja consumado.
A lei é sábia. O perfeito exame do título e o esgotamento de todas as fases de qualificação registral somente se torna possível cotejando o título com os dados do próprio registro. Sem a atuação de um profissional especializado não se pode ter uma antevisão da aptidão do acesso do título e seu consequente registro.