A dúvida registral é o recurso jurídico posto à disposição de qualquer pessoa que não se conforme com as exigências formuladas pelo Cartório de Registro de Imóveis para o registro de um título. Acha-se previsto em lei para os casos de discordância do interessado no registro em face de exigências feitas pelo cartório ou para aquelas hipóteses em que não as pode satisfazer.
Trata-se de processo de caráter administrativo, não jurisdicional (art. 204 da → LRP). Pelo processo de dúvida, as exigências formuladas pelo Oficial do Registro de Imóveis podem ser apreciadas, julgadas e revistas (ou não) pela autoridade judiciária competente – Juiz de Direito, como definido na Lei de Organização Judiciária dos Estados.
A expressão dúvida deve sempre ser tomada em sentido técnico-jurídico e não em senso ordinário. O Oficial do Registro nunca tem dúvida – no sentido de hesitação, de insegurança ou de indecisãona tomada de qualquer decisão.
O registrador decide, de modo soberano e independente (art. 28 da → Lei 8.935/1994), o registro do título ou a denegação da inscrição. Nesse caso, o Oficial do Registro tem o dever de indicar, por escrito e de modo fundamentado, as razões pelas quais o título não foi registrado.
O Oficial sempre se deve basear em sólidos fundamentos legais para a recusa do registro de qualquer documento, redigindo e emitindo a nota devolutiva, que deve enunciar, sempre de maneira clara e objetiva, as razões da obstância.
Nota Devolutiva é documento emitido pelo Registro de Imóveis que exterioriza as razões que fundamentam a denegação do registro. Sua expedição é obrigatória.
O fundamento legal para a suscitação da dúvida é o artigo 198 da LRP – Lei de Registros Públicos (→Lei Federal 6.015/1973) que reza: “havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la”.
Em síntese, duas são as hipóteses legais para a suscitação de duvida:
A lei faculta a qualquer pessoa provocar o registro ou a averbação (art. 217 da → LRP). Uma vez apresentado o título, ingressando regularmente em Cartório, a pessoa que o deposita será identificada e daí em diante considerada apresentante do título. Será o apresentante a pessoa legitimada para requerer a suscitação de dúvida. Presume-se que o apresentante represente os interesses daqueles que figuram como partes no contrato ou que tenham legítimo interesse no registro.
Veja o modelo de requerimento → Dúvida – requerimento suscitação.
As duas hipóteses em que o processo de dúvida pode ocorrer levam em consideração a pretensão resistida a prática de atos de registro ou de averbação. Cada uma dessas situações pode levar a caminhos distintos de endereçamento do processo administrativo.
Como posso saber se o ato será de registro ou de averbação?
No Estado de São Paulo distinguem-se os dois caminhos. Convém desde logo identificá-los para poupar tempo. Antes, porém, uma advertência:
Dúvida registral é cabível unicamente para o pedido de registro – não para mera averbação.
O registro é o ato mais importante praticado num Registro de Imóveis. Os registros são considerados atos principais. Por ele alguém adquire a propriedade, hipoteca um bem, dá-o em alienação fiduciária, institui usufruto, doa um bem imóvel etc.
Já as averbações são atos acessórios, que em regra aperfeiçoam ou atualizam os registros pré-existentes. Alguns exemplos podem ajudar a compreender a distinção:
Registro: compra e venda, hipoteca, alienação fiduciária, usufruto, doação, servidão, arrematação, adjudicação etc.
Averbação: mudança de estado civil, alteração de numeração predial, mudança de nome de logradouros, cancelamentos de registros, abertura de matrículas, sub-rogações etc.
Definido que estejamos diante da negativa da prática de um ato de averbação, a via adequada não será a suscitação de dúvida. Nesse caso, o apresentante deverá formular um pedido de providências diretamente perante o Juízo Competente. Para se obter o modelo do requerimento de instauração do pedido de providências e obter outras informações úteis, acesse → pedido de providências administrativas.
Na dúvida, v. pode questionar o registrador se o caso será de dúvida ou de mero procedimento administrativo.
Não. Nesta fase de irresignação em face das exigências formuladas pelo Registrador não é necessário a assistência de um advogado. Por se tratar de um procedimento administrativo (art. 204 da → LRP) a capacidade postulatória (exigência de advogado) não é requisito indispensável, embora seja sempre recomendável a assistência de um profissional do Direito por envolver matéria técnica-jurídica.
Posteriormente, esgotando-se a fase de apreciação da dúvida pelo juiz singular, manejando o interessado recurso de apelação (art. 202 da → LRP), a representação por meio de advogados será um requisito indispensável, como veremos logo em seguida.
O Cartório de Registro de Imóveis tem o prazo máximo de 15 dias para ultimar o exame do título. Ao cabo desse prazo, deverá proceder ao registro ou denegá-lo, devolvendo o título acompanhado de nota devolutiva indicando, com clareza, objetividade e de uma só vez, as exigências que estão a impedir o acesso do título.
O processo de exame, cálculo e registro deve ser ultimado em 30 dias (art. 205 da → LRP). Uma vez devolvido o título com exigências, no interregno do trintídio o interessado poderá requerer a suscitação de dúvida. Note-se:
Não basta um simples requerimento. O título deverá sempre ser reapresentado para exame integral pelo Juiz competente.
O documento que foi devolvido deve ser anexado ao requerimento de suscitação de dúvida no original. Todos os demais documentos que acompanhavam o título deverão ser reapresentados.
O Juiz analisará as razões da devolução, as contra-razões (impugnação), examinando o título e a apreciação do pleito de registro. O Magistrado não está adstrito aos problemas levantados pelo Oficial, podendo avançar sobre aspectos não agitados pelo Serventuário. O exame do Juiz é livre e não vinculado ao exame antecedente do Oficial, nem às razões apontadas pelo interessado.
Após a entrega do pedido de suscitação de dúvida, o interessado deverá aguardar que o Oficial o cientifique dos termos da dúvida e o notifique para que possa tomar as providências cabíveis:
A impugnação consiste em confrontar as razões expostas pelo Oficial do Registro de Imóveis nos termos de dúvida.
O juízo competente é aquele assim definido na Organização Judiciária dos Estados. No caso do Estado de São Paulo, é o juiz corregedor permanente dos Cartórios de Registro de Imóveis. Especificamente no caso da Capital de São Paulo, é o juiz da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo.
Também chamada de dúvida registral inversamente suscitada, trata-se de prática não vedada pela lei e pelas autoridades judiciárias e que consiste em deduzir, diretamente perante o juízo competente, a pretensão de superar as exigências formuladas originariamente pelo Oficial Registrador.
Nesse caso, o juiz determina a autuação do pedido e abre vistas dos autos ao Registrador, que deverá:
Note-se que a dúvida ordinária ou a inversamente suscitada leva sempre à procedência ou improcedência em relação ao Oficial Registrador, já que a suscitação de dúvida é atribuição cometida pela lei exclusivamente ao Registrador e não às partes interessadas.
A dúvida será procedente quando o juiz de direito competente confirmar a posição do cartório. Serão procedentes as razões do Oficial do Registro de modo que o registro não se consumará. Note-se que o juiz não está adstrito às questões apresentadas pelo Oficial Registrador podendo denegar o registro por razões outras que não as que foram originariamente opostas pelo encarregado do Registro.
Será improcedente quando as exigências formuladas pelo Oficial forem superadas e o registro for autorizado. Nesse caso, o título retorna ao Cartório que haverá de praticar os atos anteriormente negados, retroagindo os efeitos do registro à data da prenotação (apresentação do título).
Saliente-se que mesmo nas hipóteses de dúvida inversamente suscitada, a regra da procedência ou improcedência não se modifica: será procedente quando o registro não se fizer, improcedente quando o registro for autorizado.
Se a dúvida for julgada procedente, ainda resta a via do recurso de apelação prevista no art. 202 da LRP. O prazo para recorrer é de 15 dias.
Nesta fase para recorrer o apresentante deverá ser representado por advogado.
Não cabe recurso especial (STJ) nem recurso extraordinário (STF). O procedimento de dúvida reveste-se de caráter administrativo, não-jurisdicional, agindo o juízo monocrático, ou o colegiado, em atividade de controle da Administração Pública, consoante decisões das cortes superiores, razão pela qual descabem tais recursos.
A lei estabelece o procedimento registral para o desenlace da dúvida:
A via jurisdicional (não administrativa) não está fechada ao interessado.
Como já salientado, a decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente (art. 204 da LRP). Havendo interesse, o apresentante poderá recorrer à via jurisdicional para alcançar o registro denegado pelo Oficial do Registro.
A via do mandado de segurança, segundo parte da doutrina, acha-se também aberta.